ATA DA SEGUNDA SESSÃO SOLENE DA QUINTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA LEGISLATURA, EM 26.03.1987.

 


Aos vinte e seis dias do mês de março do ano de mil novecentos e oitenta e sete reuniu-se, na Sala das Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Segunda Sessão Solene da Quinta Sessão Legislativa Ordinária da Nona Legislatura, destinada ao encerramento da Semana de Porto Alegre. Às dezoito horas e quarenta e três minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancadas e conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Ver. Brochado da Rocha, Presidente do Legislativo; Dr. Ladislau Rohnelt, Chefe da Casa Civil do Palácio Piratini e, na ocasião, representando o Sr. Governador do Estado; Dr. Alceu Collares, Prefeito Municipal de Porto Alegre; Deputado Luiz Carlos de Almeida Abadie, representando neste ato o Presidente da Assembléia Legislativa do Estado; Ver. Valdir Fraga, Secretário do Governo Municipal; Professora Neusa Canabarro, Secretária Municipal de Educação e Cultura; Dr. Olimpio Albrecht, Secretário Municipal da Saúde e Serviço Social; Sr. José César de Mesquita, ex-Vereador deste Legislativo; Ver.ª Gladis Mantelli, 1ª Secretária deste Legislativo. Ainda, o Sr. Presidente registrou as presenças, em Plenário, do Ver. Nei Lima, Secretário Municipal do Meio Ambiente; do Sr. Vieira da Cunha, Diretor Geral do Departamento Municipal de Limpeza Urbana; de Srs. Vereadores da Câmara Municipal de Canoas; dos Srs. Cônsules Gerais da Itália, Sr. Vittorino Rotondaro, e do Uruguai, Sr. Adolfo Donamari. A seguir, o Sr. Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade e concedeu a palavra aos oradores que falariam em nome da Casa. O Ver. Hermes Dutra, em nome do PDS e do PFL, disse dever ser este um dia de reflexão em que cada cidadão pondere sobre o que fez e o que necessita fazer para a melhoria e a resolução dos problemas de Porto Alegre. Discorreu sobre a participação da Câmara Municipal na história da Cidade. Ao final, saudou Porto Alegre por seu aniversário, afirmando que nela se encontram mais pessoas que engrandecem o deserto da civilização. A Verª. Jussara Cony, em nome do PC do B, saudou os 215 anos da Cidade de Porto Alegre, analisando suas belezas e tradições, seus problemas habitacionais, sociais e urbanos. Afirmou que o PC do B resgata a tradição de luta do povo porto-alegrense pela democracia, pela liberdade e pela justiça social e no avanço em direção a um processo democrático efetivo, com a participação popular nas decisões fundamentais para a Cidade e o País. O Ver. Lauro Hagemann, em nome do PCB, rememorou a história da Cidade, dizendo que deve ser trazido à reflexão o futuro de nossa Capital dos pontos de vista populacional e social. Afirmou a luta do PCB junto a outras forças políticas e sociais pela mobilização popular por uma vida mais justa e equitativa para os cidadãos porto-alegrense e seus descendentes. O Ver. Antonio Hohlfeldt, em nome do PT, afirmou que a data de hoje deve ser destinada à ponderação sobre os desafios e problemas que se colocam ao futuro de Porto Alegre, em especial com relação às alterações no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Fez histórico da situação urbana da Capital desde sua fundação, traçando diversos problemas de ordem habitacional já enfrentados. Ao final, apelou ao Executivo pela preservação e restauração de diversos prédios da Capital. O ver. André Forster, em nome do PMDB, teceu comentários acerca do quadro atualmente apresentado por Porto Alegre, seus problemas econômicos e sociais, analisando as atividades e as presenças resultantes da mobilização popular na busca de soluções para os problemas da Capital. O Ver. Cleom Guatimozim discorreu sobre o crescimento evidenciado em Porto Alegre desde sua fundação, destacando a necessidade de alterações no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano com o objetivo de dar continuidade ao progresso social na Capital. Afirmou que Porto Alegre se encaixa no processo de desenvolvimento do País, lembrando que a luta pela humanização da Cidade não pode frear o processo de desenvolvimento da mesma. A seguir, o Sr. Presidente registrou as presenças, em Plenário, do Bispo José Pedro Pinheiro, Cidadão de Porto Alegre; do Sr. Alécio Brum, Cidadão de Porto Alegre; do Ver. Enio Rosa, Presidente da Câmara Municipal de Canoas; do Ver. Henrique Larroque, da Câmara Municipal de Canoas. Em continuidade, o Sr. Presidente convidou o ator Luiz Carlos Magalhães a proceder a recital em homenagem à Semana de Porto Alegre. Após, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao Dr. Alceu Collares, Prefeito Municipal de Porto Alegre, que se pronunciou acerca do transcurso dos 215 anos da Cidade de Porto Alegre e sobre as festividades da Semana de Porto Alegre. Durante os trabalhos houve, ainda, apresentações do Coral Madrigal de Porto Alegre, sob a regência do Maestro Gil de Roca Sales. Às vinte horas e cinqüenta e sete minutos o Sr. Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade, convidou as autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência, convocou os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental e levantou os trabalhos. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Brochado da Rocha e secretariados pela Verª. Gladis Mantelli. Do que eu, Gladis Mantelli, 1ª Secretária, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelo Sr. Presidente e por mim.

 

 


O SR. PRESIDENTE: Havendo número legal, declaro abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada ao encerramento da Semana de Porto Alegre.

Solicito aos Srs. Líderes de Bancada que conduzem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. (Pausa.)

Convido a fazerem parte da Mesa: Dr. Ladislau Rohnelt, Chefe da Casa Civil do Palácio Piratini, representando o Sr. Governador do Estado; Dr. Alceu Collares, Prefeito municipal de Porto Alegre; Deputado Luiz Carlos de Almeida Abadie, representando, neste ato, o Presidente da Assembléia Legislativa do Estado; Ver. Valdir Fraga, Secretário do Governo Municipal; Professora Neuza Canabarro, Secretária Municipal de Educação e Cultura; Dr. Olimpio Albrecht, Secretário Municipal da Saúde e Serviço Social; Sr. José César de Mesquita, ex-Vereador deste Legislativo.

Outrossim, registramos, ainda, a presença em Plenário do Ver. Nei Lima, Secretário Municipal do Meio Ambiente, do Sr. Vieira da Cunha, Diretor-Geral do DMLU, de Srs. Vereadores da Câmara Municipal de Canoas, dos Srs. Cônsules-Gerais da Itália, Sr. Vittorino Rotondaro, e do Uruguai, Sr. Adolfo Donamari.

A seguir, passamos à apresentação do Coral Madrigal de Porto Alegre, sob a regência do Maestro Gil da Roca Sales.

 

(O coral canta.) (Palmas.)

 

A seguir, com a palavra, pelo PDS e PFL o Ver. Hermes Dutra.

 

O SR. HERMES DUTRA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Convidados, diz o poeta que falar de Porto Alegre, da Porto Alegre do pôr-do-sol, Porto Alegre do rio Guaíba, Porto Alegre das ruas calmas e faceiras, Porto Alegre do andar bonito das moças da Rua da Praia, Porto Alegre bucólica dos bairros mais afastados do Centro... Diz o poeta que falar desta Porto Alegre é fácil. Mas não se pode, Sr. Presidente e Srs. Vereadores, num dia de festa, falar só daquela Porto Alegre que nós queremos, daquela Porto Alegre que nós vemos. Afinal de contas, todo aniversário deve ser dia de reflexão sobre os problemas da Cidade, sobre a Cidade, sobre o que cada um de nós faz e o que cada um de nós deve fazer para engrandecê-la e para melhorá-la. Este Legislativo se integra, mais uma vez, na Semana de Porto Alegre, já tradicional na Cidade, quando o povo pára um pouco da sua faina diária para pensar na sua terra, para aproveitar o fim da tarde e conversar com os vizinhos, para aproveitar o fim da tarde e tomar o seu chimarrão e lembrar-se desta que já foi província e que ainda não virou uma cidade cosmopolita, desta que, se não é província, ainda não é uma megalópole, desta que não é, ainda, aquela cidade que todos sonhamos. E até é bom que assim seja, Sr. Prefeito, porque o sonho deve ser visto sempre como um ideal a alcançar. E como é bom se poder trabalhar para se alcançar o ideal de uma cidade como a nossa! Lá se vão mais de dois séculos de história, acompanhados paripassu por esta Casa, porque, antes de Porto Alegre existir, a Câmara já existia. Lá se vão mais de dois séculos de história, de lutas, de conquistas e por que não dizer? De algumas desilusões, próprias na vida de uma que foi um dia o porto de alguns casais e que hoje é um centro de irradiação de progresso, é um centro de irradiação de cultura e, sobretudo, é um centro de irradiação daquilo que é a essência do Rio Grande, porque Porto Alegre é um verdadeiro amálgama de todos aqueles que, vindos do interior, aqui encontraram, amparo, a mão estendida, o teto e o local onde convivem e são felizes.

Esta é a Porto Alegre que queremos que cresça. Esta é a Porto Alegre que ajudamos, modestamente, a fazer cada vez mais alegre e cada vez mais nossa. Não é fácil, nos dia de hoje, a vida de uma metrópole. Sabidamente, a nossa estrutura centralista difícil transformou os Municípios brasileiros em células que não decidem, em importância que só tem na teoria e na retórica dos discursos políticos. Mas isso não deve servir de motivo para que não lutemos todos juntos para que o Município seja repensado, seja cada vez mais forte, cada vez maior, possibilitando que a sociedade brasileira, crescendo e se fortalecendo na sua base, chegue mais rapidamente no porto que nós queremos que ela ancore.

Sr. Presidente, Sr. Prefeito, demais autoridades, em nome do Partido Democrático Social, em nome do Partido da Frente Liberal, saudamos essa Cidade, saudamos a Cidade com suas alegrias, com suas tristezas, com seus problemas e com as suas soluções. E podemos afirmar, alto e bom som, que, efetivamente, Porto Alegre, nesse deserto que são as grandes cidades, desertos apinhados de espigões e de gente, Porto Alegre se encontra mais gente que enverdece o deserto da moderna civilização. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra a Verª Jussara Cony, que falará em nome do PC do B.

 

A SRA. JUSSARA CONY: Sr. Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Presentes. Na passagem dos 215 anos da Cidade de Porto Alegre, a saudamos! Saudamos a Cidade para a qual viemos em uma infância, onde crescemos na luta e na participação, onde tivemos nossos filhos, onde trabalhamos e onde, através do voto de seu povo, nos elegemos Vereador, com o compromisso com a justiça social, com os direitos dos cidadãos, com a democracia e com a liberdade.

Porto Alegre do estuário do Guaíba, onde se vive o mais lindo pôr-do-sol; da feira do Bom Fim aos domingos, onde a arte e a cultura foram um espaço conquistado pelos próprios artistas e artesãos; da Rua da Praia, da Esquina Democrática, das vilas, do Centro, da Redenção, da periferia.

Porto Alegre, Capital do Rio Grande do Sul, como as demais metrópoles desse País, foi abandonada por administrações não-eleitas pelo povo e, por isso mesmo, sem nenhum compromisso com a resolução dos graves problemas sociais que enfrentou. Porto Alegre, com o aumento da população, em virtude do aumento da população, em virtude do avanço industrial e do êxodo rural e pelo descaso social, vive sérios problemas de moradia, onde grande parte de seus trabalhadores vive em casebres, em habitações precárias, carentes de saneamento básico, em locais distantes e insalubres, o que contribui para agravar questões referentes à saúde pública, à falta de segurança, ao abandono do menor, à qualidade de vida em vastas áreas urbanas onde a habitação, a saúde, a educação, direitos básicos de cidadania, transformaram-se em lucrativos negócios privados. Onde a especulação imobiliária domina o mercado residencial, onde o solo urbano não é considerado como uma necessidade social a ser preenchida por um planejamento habitacional adequado no seu crescimento, colocando os interesses da coletividade acima dos interesses privados. Porto Alegre, das vilas ditas clandestinas, das invasões, como, recentemente, a da Grande Santa Rosa, porque o povo precisa morar; do abandono do Arroio Dilúvio, um atentado à saúde pública; dos aumentos dos transportes que servem para os donos das empresas manterem seus lucros; grave situação dos ambulantes do Centro da Cidade, porque, afinal, pela crise e falta de emprego, o subemprego é uma realidade; da falta de creches nos locais de trabalho e nos bairros e vilas distantes. Porto Alegre dos servidores públicos, esteio da administração com salários aviltados sem a oportunidade de exercer com dignidade suas tarefas. O povo porto-alegrense sendo exilado, expulso para as cidades vizinhas, exatamente, pela falta de uma política urbana e habitacional que lhe assegure de moradia onde nasceu e onde trabalha. Mas, Senhores, esses e outros tantos problemas sociais que vive nossa Cidade não são um fato isolado. São decorrência da estrutura da sociedade, do sistema de exploração e opressão, do sistema capitalista, agravado por tantos anos na vigência do regime militar, pela centralização política e econômica neste País. Senhores, o Partido Comunista do Brasil, através de sua Bancada, ao homenagear esta Cidade, resgata, antes até de seus problemas e de suas belezas, a enorme tradição de luta de seu povo, em todas as jornadas históricas dessa Cidade por democracia, por liberdade, por justiça e progresso social. E, ao assim fazê-lo, conclama a todos os que realmente estão comprometidos com a conquista de melhores dias para nossa Cidade, nosso Estado e para com a Nação, para a unidade em torno de propostas concretas de lutas, em uma efetiva participação no processo em curso da Assembléia Nacional Constituinte, através, por exemplo, da Comissão de Estudos Constitucionais desta Casa; através das Plenárias Populares por uma Constituinte Democrática progressista e patriótica, que hoje se instala em diversas capitais e cidades brasileiras, unificando os setores populares e democráticos, para que, com a participação efetiva do movimento comunitário, sindical, partidos políticos, movimentos populares, Câmaras Municipais, Prefeituras, possamos fazer com que nossa Cidade, nosso povo, nossa Nação avancem para conquistar uma efetiva reforma tributária em direção aos Municípios, e, aliada a ela, por exemplo, a retomada de prerrogativas do Poder Legislativo Municipal e de todo Poder Legislativo. A retomada das nossas prerrogativas para que possamos legislar sobre matéria financeira, oportunizando, assim, a efetiva participação popular nas decisões orçamentárias de uma Cidade como a de Porto Alegre; para que possamos conquistar direitos básicos de cidadania, saúde, educação, lazer, trabalho digno, salários dignos, habitação, equipamentos sociais; para que possamos conquistar a autonomia e a independência de poderes; para que possamos conquistar a soberania nacional; para que possamos construir a democracia. Entendemos que é assim, com luta e compromisso, que podemos, nesse dia, homenagear uma cidade que, na luta e no compromisso, aprendemos a amar.

Ao poder Executivo, na pessoa do Sr. Prefeito, ao Poder Legislativo, na pessoa do Presidente desta casa, as entidades representativas da sociedade civil organizada, que homenageamos através da UAMPA, neste momento, respaldando a sua carta aberta no momento em que o Sr. Presidente da UAMPA recebe uma homenagem da Cidade de Porto Alegre, mas, principalmente, Senhores e Senhoras, ao povo de Porto Alegre, na primeira vez que nos é oportunizado homenageá-la na tribuna desta casa, com muita honra, em nome do Partido Comunista do Brasil, a certeza de nossa participação junto a todos que, realmente, desejam essa cidade verdadeiramente... um Porto Alegre que só conquistaremos pela mobilização e organização popular. Muito Obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Lauro Hagemann, que falará em nome do PCB.

 

O SR. LAURO HAGEMANN: Sr. Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Convidados. Esta casa cumpre o dever de homenagear a Cidade de Porto Alegre no seu 215º aniversário formal, aniversário formal, pois, provavelmente, tenha nascido muito antes desta data. As evocações da Cidade, nestes longos 215 anos, nos fazem rememorar uma longa história de cidadania, uma história que a brevidade deste momento nos obriga a sintetizar, como uma cidadela voltada para os interesses maiores da coletividade. Mas nem só de passado deve viver Porto Alegre, embora rica, embora transbordante de vida. O que deve nos preocupar, o que deve nos chamar a atenção é futuro desta Cidade. As projeções demográficas dão conta de que, na virada do século, esta região metropolitana, e não podemos dissociar Porto Alegre dos demais Municípios que circulam, terá em torno de cinco milhões de habitantes. E o que faremos com esta população? O que será dos nossos pósteros? Em que situação viverá este aglomerado humano? Seria preciso que, a partir de nós, e já antes de nós, muitas devessem ser programadas para que pudéssemos ter a consciência tranqüila de, no futuro, quando a história nos julgar, sermos capazes de olhar o passado com mais serenidade. Infra-estrutura, obras de saneamento básico, vias de circulação, escolas, luz, água, esgotos, praças de lazer e esporte, saúde pública, trabalho, salários dignos: sobre isto devemo-nos debruçar e é para isto que chamo a reflexão da casa. A nossa antevisão do futuro se espelha, hoje, nesta Sessão Solene: a sociedade, organizadamente, reclamando seus direitos. É para isto também que luta o Partido Comunista Brasileiro: a organização do povo, junto com as outras forças políticas e sociais, para que, no futuro, tenhamos uma vida mais justa, uma distribuição de riquezas mais eqüitativa, onde não haja opressores e oprimidos, em que todos tenham pleno direito à vida, que, no final, é o bem maior que temos sobre a terra. Sr. Prefeito, Srs. Membros da Mesa, Srs. Vereadores, quero deixar registrados, com muita emoção, os augúrios do Partido Comunista Brasileiro para que as administrações desta Cidade, para que os homens públicos que virão após a nossa passagem por esta casa tenham a compreensão deste futuro, e não desmereçam a confiança que o povo em nós depositou e vai depositar naqueles que nos seguirão. Porto Alegre da nossa adolescência, Porto Alegre que serve de segundo berço a muitos de nós nesta casa, mas que nem por isto deixa de merecer o nosso maior carinho, o nosso maior amor. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Antonio Hohlfeldt, que falará em nome do PT.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, e Srs. Convidados; dedico este meu discurso aos companheiros da AMPA, nas suas reivindicações.

A data que comemoramos nesta Sessão Solene deve ser, também, uma oportunidade para refletirmos sobre os desafios e os problemas que se colocam à nossa frente, frente ao nosso futuro em relação às responsabilidades que temos enquanto cidadãos, sobretudo cidadãos Vereadores, para com Porto Alegre. Sob esta perspectiva, este ato festivo é também um ato político, porque esta casa é política e, durante alguns dias que antecederam esta Sessão, refletíamos sobre que temas desenvolveríamos neste momento: se falaríamos das reivindicações do funcionalismo municipal com seus salários defasados; se abordaríamos a infra-estrutura urbana que é periclitante nessa Cidade; se discutiríamos as questões que nos esperam na Constituinte, como a questão da sabedoria Municipal, a autonomia do Legislativo, o poder Legal da iniciativa, sobretudo, em matéria financeira; se abordaríamos as questões das nossas vilas populares; se falaríamos a respeito da destruição da paisagem urbana cada vez maior nesta Cidade, pelas pressões e pela urgência do que vem ocorrendo em torno desta última questão, traduzida nas anunciadas mudanças no Plano Diretor. E nós resolvemos dedicar um pouco da nossa atenção a este problema. Até porque, quando folheamos as páginas do livro da história da nossa Cidade, tomamos consciência da rapidez com que, em apenas 215 anos, se processou a desumanização de sua paisagem. Tentando descobrir como as autoridades respondiam a este fenômeno, qual a intensidade de suas preocupações com o desequilíbrio ecológico que nos levaria, talvez, num futuro a pagar para respirar, voltamos ao nosso passado e chegamos ao ano de 1793.

Desde o período colonial, a árvore mereceu a atenção das autoridades, mesmo que fosse, apenas, a defesa de certas espécies. Lá, nesta época, uma Lei especial determinava aquelas espécies cujo corte passava a ser vedado ao proprietário, e estas passaram a ser denominadas nos, textos de lei, como, madeiras de lei ou, mais simplesmente, paus-brasis.

No dia 18 de janeiro de 1793, o conde de Rezende, Vice-Rei do Brasil, enviou uma carta à Câmara de Vereadores de Porto Alegre, que era, então, a representante de todo o povo do Rio Grande de São Pedro, declarando que as penalidades para quem infringisse tais leis iriam do confisco dos bens à pena de morte. No século passado, a preocupação com a preservação das árvores nativas continuou: a Praça da Harmonia, a mais antiga de Porto Alegre, preservou até 1920 suas velhas árvores, da época em que os açorianos aqui chegaram. Nos nossos antigos arraiais, bairros como o Menino deus e Moinhos de Vento surgiram em decorrência de ali estarem instaladas grandes chácaras destinadas ao lazer e à fuga dos atropelos da cidade que crescia. E o Bairro do Partenon, idealizado pelos então jovens do Partenon Literário, seria um local “(...) em condições higiênicas tão favoráveis, que darão às famílias cômodas habitações cercadas de jardins, com ruas largas e arborizadas, um panorama encantador e pontos de vista aprazíveis, ar mais puro, vivificante e seco”, segundo documento da época. A própria Cidade Baixa, que por sofrer as constantes invasões do Guaíba, não possuía quase espaços verdes, prestou-se, no entanto, a servir de esconderijo para escravos foragidos que se escondiam no imenso matagal localizado no trecho hoje delimitado pela Av. João Pessoa e as Ruas Venâncio Aires e República, mas cujo desmatamento e destruição começou na visita de D. Pedro II à Cidade, em 1845, já que para homenageá-lo derrubou-se na mata e abriram-se duas ruas: a da Imperatriz, hoje Venâncio Aires, e a do Imperador, hoje República.

Em 1904, Porto Alegre teve sua primeira Festa da Árvore, no Campo da Redenção, e em 17 de setembro de 1911, no Bairro de Teresópolis, chegava mesmo a ser inaugurado um monumento que era a exaltação à riqueza das matas e das florestas de Porto Alegre. A partir da década de 20, já no nosso século, inicia a mudança do cenário paisagístico de nossa Cidade, com o incremento da industrialização do pós-guerra e a ocupação dos espaços verdes.

A Praça da Harmonia, com suas grossas correntes de ferro e bronze, trazidas como presas de guerra do Paraguai, foi arrasada para a construção dos blocos do cais e suas partes cedidas ao Ministério da Guerra e a órgãos do Estado. Em 1945, foi instalada, num canto da Praça, uma padaria do Exército, e hoje a velha Praça da ponta da península, onde tudo começou, é um espaço quase abandonado, contendo, até mesmo, um depósito de ônibus velho em um dos cantos, e nem há vestígios das correntes e do belíssimo chafariz que ornamentava o seu centro.

A Cidade Baixa, área que em sua formação foi eminentemente rural, cortada por riachos e sangas, tem hoje, na Praça Garibaldi, o único espaço verde arborizado, servindo de pulmão e tentando, sozinha, equilibrar o meio ambiente desta área.

Sabendo-se que, por determinação da Organização Mundial da Saúde, o índice recomendável de área verde para uma pessoa manter o equilíbrio psicológico e biológico é de 12m² por habitante, ficamos surpresos e espantados ao constatar que, segundo os últimos levantamentos da SMAN, o índice de área verde por habitante é, em nossa cidade, de 5m² incluindo o Parque Saint’Hilaire, sem ele 3m² por habitante. Contudo, desde 1954, pela Lei 1233, art. 9º, inciso “a”, foi estabelecido que para os arruamentos é exigida a percentagem mínima de verde público de 10% da área total na zona urbana e 15% na área suburbana e rural, cabendo à Prefeitura determinar, dentro da gleba a lotear, a área mais apropriada para este fim.

O Decreto n.º 732, de 1954, que regulamentou a referida Lei, prevê, em seus artigos 11, 12 e 13, a preservação das reservas arborizadas, pontos panorâmicos e aspectos paisagísticos, tanto em arruamento de grandes áreas, como para a abertura de logradouros isolados.

A partir dos levantamentos teóricos, visitando alguns locais de área verde, verificamos o abandono da Praça Cinqüentenário da Rádio Gaúcha, que possui 6.700m² e onde teriam sido plantadas 100 árvores. Não está preservada, e seu Otávio, o zelador, nos informou que, por iniciativa própria, procurara livrar a mesma das ervas daninhas que tomam conta da área. Ali, a Prefeitura plantou folhagens de baixo porte e, conforme detectamos, meia dúzia de mudas de árvores agora, no aniversário da homenageada. A Praça Lupicínio Rodrigues, com 9.100m², está no mais completo abandono e das 240 árvores que constam como plantadas, nenhuma foi encontrada. E a nossa Praça da Harmonia, marco inicial do povoamento, com seus 13.400 m², onde predominavam as árvores de grande porte, é um testemunho da depredação consentida pelas sucessivas administrações do Município. Mais grave é a situação do nosso Bairro-arquipélago, compreendido pelas 17 ilhas integradas ao total de 29 que compõem o projeto de criação do Parque Delta do Jacuí. Sua fauna está em extinção, e a flora, ainda abundante e variada em algumas ilhas, tende a desaparecer devido à rápida urbanização gerada pela ocupação e povoamento espontâneo da população marginalizada do continente. A Ilha da Pintada, por exemplo, ocupada desde 1773 por pequenos agricultores, subsidiava nossa Cidade, desde os tempos mais remotos, com os gêneros advindos da policultura que os charqueadores e os plantadores de trigo de Porto Alegre não produziam. No decorrer do nosso processo histórico, os arruamentos, loteamentos e implantação de indústrias aumentaram a demanda dos produtos cultivados na Ilha, intensificando sua ocupação. O equilíbrio ecológico, entretanto, foi preservado até o momento em que, construído o muro da Mauá, o comércio dos ilheiros decaiu consideravelmente e o antigo celeiro da Cidade transformou-se em mais um bairro pobre e miserável, onde, para sobreviverem, seus habitantes tornaram-se mão-de-obra de reserva na exploração capitalista da Cidade. Esta transformação do “modus vivendi” na Ilha representou, também, uma agressão no meio ambiente e a descaraterização da Cidade. Situações como a que nos apresenta a Ilha preocupou nossos ecologistas quanto aos 17 mil hectares representados pelas ilhas do Delta, se pronunciando a respeito da preservação sem ocupação urbana.

A Ilha da Casa da Pólvora tão importante no final do século passado para a história do Rio Grande do Sul por sua localização estratégica, implicou a construção, em 1868, do Arsenal de Guerra, cujo mirante tinha a função de controlar a navegação, que, pelo Jacuí, levava a Rio Pardo, e a navegação que, pela lagoa, chegava a Rio Grande, extremidades que garantiam nossas fronteiras nas sucessivas lutas com os países do Prata. Hoje, os vários prédios que compõem o antigo Arsenal estão abandonados, o mirante lutando pela sobrevivência, a fauna praticamente extinta, e a flora é abundante e riquíssima. Existe o projeto de transformá-la num centro de estudos científico-culturais, que continua sendo apenas um projeto e que, se não nos apressarmos, transformará este patrimônio em lembranças apenas. Lembranças, saudosismo e um certo ar de frustração é o sentimento que se manifesta quando, caminhando pela história, ficamos frente a frente com a velha Igreja do Menino Deus, ponto final do caminho de Santa Tereza, atual Getúlio Vargas, cuja destruição advinda de interesses pecuniários e imobiliários substitui aquele patrimônio histórico por prédio de apartamentos com a “nova Igreja” escondida em seu interior. E a velha Igreja do Rosário, construída por escravos, que ali misturavam seus ritos africanos com a religião que lhes era imposta, resultando neste sincretismo religioso do qual muitos de nós somos praticantes, foi substituída por aquele horroroso prédio que, por mais que nos esforcemos, não nos permite imaginar ser possível, num passado, ter havido ali local de lamentos e desabafos dos nossos irmãos negros.

É muito difícil expressar o que de belo teve nossa Cidade mais difícil ainda aceitar que, no jogo de interesses políticos e econômicos, seja destruído nosso patrimônio histórico, ecológico, artístico e cultural. Mas temos que encarar de frente o problema e exigir respostas para situações como: em 1971 e em 1974, foram criadas pelo Município comissões para fazer um levantamento dos prédios a serem tombados como parte do patrimônio histórico e cultural da Cidade. Mais de 70 prédios foram arrolados. No entanto, boa parte foi criminosamente destruída por seus proprietários e outros se encontram em via de destruição. O Município, por incrível que pareça, tombou, até agora, 30 prédios e apenas dois foram restaurados. Queria, Sr. Prefeito Municipal, neste ato, fazer um apelo a V. Ex.a. quanto a alguns prédios especificamente. A Beneficência Portuguesa, inaugurada em 1870, está nas manchetes da imprensa nos últimos dias. A planta daquele prédio foi feita pelo engenheiro da Câmara, Frederico Heydtmann, e o desenho da fachada pelo litógrafo Inácio Weingartner, irmão do grande pintor Pedro, cuja casa da esquina da Florêncio Ygartua com a Mostardeiro havia sido relacionada para tombamento e foi destruída por um casual incêndio. Os escudos Portugueses e do Império do Brasil que estão entrelaçados na fachada da Beneficência Portuguesa são gravados em mármore e a escada de granito, vinda de Portugal, já foi em parte desmontada. É urgente, Sr. Prefeito, efetuar-se o tombamento deste prédio, assim como o do prédio do Pão dos Pobres, da Santa casa e outros poucos ainda existentes e que até agora se salvaram do jogo da especulação imobiliária e dos arranjos políticos. Que saudade nos dá do Guaíba, quando podíamos contemplar seus canoeiros pescando e seus barqueiros comercializando, quase em nível de troca, seus produtos aqui, no cais do porto! Mas veio o muro e, com ele, o divórcio entre a Cidade e o seu rio, que lhe deu origem, que e viu crescer e que agora lhe vira as costas. Mas ele, numa benevolente, ainda nos presenteia com as costas. Mas ele, numa atitude benevolente, ainda nos presenteia com o mais lindo pôr-do-sol, só possível no paralelo 30. Em 1987, estamos relembrando coisas de um passado mais ou menos remoto. Podemos lamentar sua destruição, mas nada mais podemos fazer para salvá-lo. Contudo, temos, em nossas mãos - no caso dos integrantes da Casa, temos literalmente em nossas mãos, Executivo e Legislativo -, o poder objetivo de definir o que fazer com a cidade que temos hoje, para que, num futuro nem remoto assim, outros porto-alegrenses, por nascimento ou adoção não tenham igualmente que lamentar as destruições que nós permitimos fossem feitas. É por isso, pelo medo das investidas que se fazem hoje sobre o Plano Diretor da Cidade, articuladas pela avidez do capitalismo selvagem para o qual a especulação é um meio de concentração mais rápida e criminosa, que reunimos estas notas. É bom lembrar, enquanto não destruíram.

A data de hoje e a nova Semana de Porto Alegre que comemoramos não devem ser um momento de apenas declamarmos coisas bonitas dessa “Cidade Sorrido”, mas, sim, de nos organizarmos, reivindicarmos e lutarmos pela manutenção do pouco que ainda nos sobra, mas que será menos ainda se não concretizarmos a sua defesa neste momento. Por isso, o nosso destaque à atuação da União das Associações de Moradores de Porto Alegre em atuação nesta Cidade, da Porto Alegre das quase 300 vilas ditas clandestinas, da Porto Alegre dos mais de 400 mil habitantes marginalizados nos serviços básicos, da Porto Alegre da especulação imobiliária que mantém 57% das áreas urbanas absolutamente vazias e que detêm nas mãos de quinze proprietários jurídicos e físicos praticamente o total dessas áreas.

Este Porto Alegre nós não queremos cantar, mas nós gostaríamos, Sr. Prefeito, que os Vereadores, que dentro de 50 ou 100 anos aqui estarão, no nosso lugar, pudessem cantar a Porto Alegre que esta Casa e o Executivo desta Cidade, neste momento, souberam e quiseram salvar. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. André Forster, que falará em nome do PMDB.

 

O SR. ANDRÉ FORSTER: Sr. Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Convidados, acredito que qualquer um de nós, quando comemoramos nosso aniversário, especialmente à medida em que passa o tempo e que avançam os nossos anos, tendemos a fazer uma reflexão dos nossos atos, buscando, na nossa história, os momentos em que tivemos oportunidades de avançar, momentos em que tivemos oportunidades de crescer, e aqueles momentos em que nós tivemos derrotas ou padecemos de situações que foram difíceis. Aniversário é uma data em que se impõe, sempre, a necessária reflexão. Duzentos e quinze anos de uma cidade, Porto Alegre, nos dão, na dimensão do tempo, a idade de uma cidade jovem. Porto Alegre é uma cidade jovem, porque ela tem pela frente milhares e milhares de anos, tantos mais quantos nós formos capazes de avaliar a sua retrospectiva histórica. Podemos fazer a correção daqueles erros que trouxeram à Cidade, neste momento, esses problemas que, nós sonhamos, não teremos no futuro. Existem as mais variadas definições de cidade, os mais variados conceitos. Percorrendo os intelectuais que se debruçam sobre o assunto, encontramos esses conceitos distribuídos, com algumas variações, com algumas identificações, cada qual fazendo a sua elaboração intelectual, na busca da objetivação do que seja a cidade. Entre estas, acolho para este breve pronunciamento aquela de quem foi Secretário do Planejamento de São Paulo, Vilain. E ele diz, simplesmente: “Cidade é o lugar onde as pessoas vivem”. Por certo, cabem ainda aqui algumas perguntas sobre que lugar, como é este lugar onde as pessoas vivem, ou, ao inverso, quem são e como são as pessoas que vivem nesse lugar. Poderia dizer também como Alberto Caminha: uma cidade se conhece pelas qualidades nas condições das pessoas nascerem, trabalharem, viverem e morrerem. E, por certo, estas singelas sugestões, com as perguntas sugestivas que cada uma delas nos traz, nos permitem também olhar o passado, constatar o presente e imaginar o futuro.

O presente, nesta Cidade, é um momento contraditório, de riqueza e pobreza. É um momento de desafios. A riqueza não só daqueles que habitam em condições extremamente mais favoráveis do que a grande maioria que aqui mora em condições extremamente desfavoráveis, mas a riqueza das situações que decorrem de um processo de concentração de massas. As nossas sociedades, hoje, são, sobretudo, sociedades urbanas e tendem a ser cada vez mais sociedades urbanas. Daqui a alguns anos as previsões nos dizem que as cidades terão 90% da população deste País, o que significa que Porto Alegre tende a ter, em pouco tempo, muito mais pessoas do que hoje têm. Esta concentração, esta densificação da população em alguns locais é rica, é cheia de riqueza, porque aqui se concentram as possibilidades do futuro, aqui, sobretudo, com a presença cada vez maior do povo. Estas sociedades tendem a ser, cada vez mais, democráticas. Não nos é possível imaginar que os erros acumulados através do tempo sejam capazes de ser repetidos no futuro. Não. A concentração de pessoas numa localidade, a densificação do povo no local torna os desafios absolutamente exigentes de respostas. E quando os problemas se acumulam numa velocidade maior do que as soluções que vêm sendo propostas são estas gentes que vão se levantar e colocar as exigências da transparência e das políticas que apegam aos seus interesses. Não consigo acreditar que a realidade possa manter-se indefinidamente pior do que está. Não acredito que os homens desta terra, os que têm responsabilidades governamentais, os que têm responsabilidades políticas não estarão, muito em breve, senão pela sua vontade, pela vontade das massas organizadas, reclamantes, inconformes, procedendo à revisão de processos e a renovação da própria vida política, da própria vida governamental, dos próprios métodos de administrações. Esta é a tendência. Nisso que acreditamos. Essa é a nossa utopia. E ai de ti, Porto Alegre, se não tivéssemos as nossas utopias! Ai de ti, Porto Alegre, se não tivéssemos os nossos sonhos! Ai de ti, Porto Alegre, se os homens que moram nesta Cidade perdessem as suas esperanças! Mas não. A história nos mostra que, apesar de tudo, o povo caminha nas direções certas. Enfrenta, perde, se recupera, enfrenta e ganha – ganha anos, mas acaba a década. Perceba-se, com clareza e evidência, que os métodos antigos, os processos políticos demagógicos, os processos políticos que têm na mão dos representantes o reconhecimento dos meus direitos... Os direitos reconhecidos são aqueles que decorrem da própria consciência do povo, e é este o caminho que deve ser buscado para a Porto Alegre do futuro. Tantos erros do passado não podem continuar a ser cometidos. Milhões de recursos financeiros sempre foram obtidos e jogados em soluções incabíveis, em soluções inviáveis, em soluções mesquinhas, em soluções medíocres que não redundaram senão na aparência, na transparência, no surgimento de outros problemas igualmente candentes. Políticas burras como as políticas habitacionais, com a construção de milhares de conjuntos extremamente pobres na sua concepção, que não permitem a vida àqueles que ali vão morar, mas só foram possíveis porque o nosso povo tem vivido em condições extremamente difíceis, e muitas vezes uma migalha parece uma solução. Mas não nos enganamos e nem se enganam aqueles que, durante tantos anos, acumularam soluções pobres, acumularam soluções mesquinhas que nos trouxeram a realidade de hoje, onde, ainda, milhões de homens, nesta e em outras cidades, vivem à margem, vivem na expectativa, vivem na esperança.

Esta Cidade ainda não desenhou o seu futuro. Esta cidade ainda vive presa às concepções elaboradas em situações nas quais a própria sociedade porto-alegrense teve condições de participar. Que cidade é essa? Por onde ela caminha? Qual a sua direção? Não há quem nos diga isso com clareza. Especialmente, viveu-se em Porto Alegre, como noutras cidades, um período autoritário que substituiu as políticas fáceis, até certo ponto, pela tecnocracia – a época do planejamento acima da vida político-partidária. Criaram-se quistos tecnocráticos e erigiu-se o planejamento como se trouxesse em si as condições de ser neutro diante dos conflitos, diante da realidade. Passou por cima da realidade. Não percebeu, sequer, que a vida para ser mudada, que a cidade para ser vivida tem como condição indispensável que sejam capazes de mobilizar os interesses da cidade, e não falar sobre a cidade como se ela fosse um patamar neutro, sem conflitos. Perguntemos, hoje, a qualquer cidadão, tirado por amostragem ou não, qual é a sua Cidade dos 215 anos, o que acontecerá com esta Cidade nos próximos 15, 20 anos. Sabe o cidadão de Porto Alegre o que lhe reserva esta Cidade? Não sabe. Esta Cidade, às vezes, também, é para o debate da sua realidade mais ampla, envolta por situações que encobrem a possibilidade real do diálogo, e por isso não cria o ambiente democrático necessário para que todos possam entender que modelo de Cidade temos. Qual a concepção da Cidade de Porto Alegre? Já perguntamos e já andamos por diversos setores profissionais para perguntar: quanto a este Plano Diretor, qual a concepção de Cidade nele embutida, desta Cidade em seus 215 anos? Não há quem nos dê uma idéia certa. Há idéias contraditórias no debate, mas não poderia ser diferente. Esta concepção de cidade embutida no atual Plano Diretor, sobre o qual ninguém tem respostas claras e sobre o qual a maioria tem desconhecimento absoluto, esta concepção é que precisa ser aclarada a toda a população, para que cada um se sinta localizado dentro desta Cidade e passe a atuar sobre ela inserindo seus próprios interesses.

Essa concepção de cidade é desconhecida porque foi formulada nos tempos do autoritarismo. A própria concepção das Leis, indecifráveis hieróglifos que estão à espera de uma tradução óbvia e lógica para que cada cidadão possa sentir-se dentro desta Cidade, sentir o destino que lhe está reservado por aqueles que um dia planejaram esta Cidade, para a população, mas que, entretanto, desconhece o que lhe reserva o futuro desta cidade... Não podemos imaginar esta cidade caminhando, a não ser pelos caminhos de sempre, se mantivermos a população desinformada sobre o que lhe interessa, se não lhe possibilitarmos os espaços de diálogos de confronto democrático, em que cada interesse expõe claramente o que pretende dela. É verdade que o Plano Diretor é apenas um dos elementos desta Cidade, mas ele é importante. Nos perguntamos sempre por onde pretende andar essa vida, mas não poderemos responder, senão pelos nossos sonhos, pelas nossas utopias, se não partirmos daquilo que uma vez foi modelado pela lei como a cidade que alguns queriam. Talvez todos queiram. Mas todos não tiveram a condição de fazer a opção por essa ou por outra cidade.

A informação é absolutamente indispensável para o processo democrático, ao mesmo tempo em que, também, tirando a lições da história, tirando as lições do presente, a organização da população, a organização do povo é a única condição capaz de estabelecer os direitos da cidadania. Não há outro caminho. E, aí, usamos a expressão do pensador que diz, com muita clareza: “Não há esperança, não há esperança! Há sim luta permanente, e esta é a nossa esperança”.

Ah, se nos 215 anos de aniversário desta Cidade pudéssemos chegar a cada aniversário de Porto Alegre, a cada um dos 1.300.000 moradores e dizer: “Você está de aniversário, mas não espere nada desta Cidade que lhe venha como solução milagrosa. Você! se quer ver esta Cidade melhor para seus filhos do que a forma com que ela lhe trata hoje, acredite, se quiser, não há esperança!

Só há luta permanente, e essa é a tua esperança”. Que se diga isso aos cidadãos desta Cidade para que possamos pensar, daqui a 215 anos, ao menos em festejarmos o aniversário da Cidade com o povo alegre. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Cleon Guatimozim, que falará em nome do PDT e do PSB.

 

O SR. CLEON GUATIMOZIM: Sr. Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Convidados, nós estivemos nesta tribuna para comemorar o aniversário da Cidade, ao que nos parece, desde que ela completava 190 anos. Nestes últimos 25 anos, temos estado assistindo, sendo testemunha e legislando para esta cidade sobre o seu crescimento, a sua evolução econômica e evolução social. Há algum tempo atrás, examinando os arquivos desta casa, nós encontrávamos um pedido de desculpas de um Vereador, dirigido à Mesa, ao Presidente de então, por haver chegado atrasado a uma reunião da Câmara Municipal, porque a sua carreta havia atolado no trajeto em que ele fazia para chegar à Câmara. E ele dizia que, depois de ter atravessado o campo da Dona Glória, vindo de Belém Novo, depois de ter passado pelo Xico da Azenha, sua carreta havia atolado na valorosa Cidade de Porto Alegre, e ele se desculpava. Nós verificamos, então, através da história, a evolução fabulosa e o crescimento que teve a Cidade de Porto Alegre. Isto se verifica através dos mínimos detalhes. E encontramos, também, provas de que muitas pessoas leram esta história, porque projetos fabulosos já haviam sido previstos em 1892. E eu dou como exemplo o Centro Administrativo, já previsto em 1892 e devidamente assinado por seus idealizadores. E, ainda mais, com a venda de terrenos para construir as obras para o Centro Administrativo. Ali já se viam as obras contra as cheias, e isto prova que, há algum tempo atrás, muita gente andou lendo a história da Cidade, buscando inspiração na Cidade de Porto Alegre, que hoje é uma metrópole e que vai partir em direção a uma grande megalópole, como uma série de cidades do centro do País que crescem desordenadamente e necessitam de uma cirurgia, que é necessária à Cidade e que deve ser feita pela administração. Tem uma cidade de 1900, com áreas verdes enormes para cada cidadão, que nos faz lembrar a obra de Thomas Morus, “A Utopia”. Porto Alegre é hoje uma cidade violenta, grande, e uma cidade que necessita dessas cirurgias na sua plástica para acertar. E me parece que existe uma grande resistência, às vezes, até paradoxal. Eu recebi, há duas semanas, um grupo de pessoas de um bairro pobre da Cidade e que, naquela luta do trabalhador brasileiro, nem sequer proprietários eram daquelas áreas. Pois aquelas pessoas, Sr. Presidente, Sr. Prefeito, deixaram-me numa situação difícil de poder imaginar, o que os movia naquele pedido, quando solicitavam, inclusive na Zona Sul, que as grandes e luxuosas residências, os grandes terrenos ocupados por residências unifamiliares não sofressem nenhuma transformação. Eu ainda estudo este problema e pretendo chegar a compreender, porque é bastante difícil. Ao legislador, Srs. Cônsules da Itália e do Uruguai costumamos dizer aqui que Salomão, com a sua imensa sabedoria, talvez ficasse desprestigiado diante destes problemas se apresentam na cidade em desenvolvimento, porque eles são tantos, a cada momento e a cada instante... E, como quem acompanha o desenvolvimento desta Cidade, nós chegamos a problemas que, sinceramente, achamos praticamente insolúveis.

Hoje, nós temos uma metrópole para a qual o censo de 1980 registra um milhão e trezentos mil habitantes. Nós sabemos que não é. Esta Cidade tem muito mais que um milhão e trezentos mil habitantes, porque os censos foram fraudados neste País. E olha que ele tem, até, uma origem sagrada. Aqueles que são formados em Direito sabem que, na Antiga Roma, quando um cidadão pretendia libertar o seu escravo escrevia no censo que “ele deixava de ser coisa para ser gente”, chamava-se na época “manunisio per sensun”. O censo foi violentado, neste País, para que a distribuição de renda “per capita” aumentasse e diminuísse a população dos grandes centros e das grandes cidades com a finalidade de impressionar as potências capitalistas deste mundo, apresentando uma renda “per capita” que não corresponde. Então, nós temos muito mais que um milhão e 300 mil habitantes nesta Cidade, se a Cidade dispara desta forma necessita o esforço de todos para o conserto. Nós sabemos que para uma cidade de porte de Porto Alegre, jovem, com 215 anos, e que agora acompanha o desenvolvimento brasileiro, para que haja o desenvolvimento é necessário que este seja precedido pela arrancada inicial da industrialização, em alto grau e com alta tecnologia. Então, somos um País em desenvolvimento para alguns, e subdesenvolvido para outros. E Porto Alegre acompanha, exatamente, esse ritmo de vida de um país em desenvolvimento, com farta legislação e quase nada dela cumprido. Os problemas de uma cidade como Porto Alegre são sinais de uma coisa: sinal de progresso. Os próprios buracos da via pública são sinais de progresso, de trânsito farto, de escoamento da produção, de automóveis e veículos, e de locomoção de uma cidade que se desenvolve. E nesses 215 anos, em que vimos acompanhando, nos últimos 25 anos, os problemas de transporte, de habitação, de trabalho e de recreação, chegamos à conclusão de que existem sérios problemas. Aqueles do centro do País que aqui chegam, após examinarem a toponímia da Cidade, chegam à conclusão de que ainda temos muito de província, que somos muito conservadores. E esta conservação, para alguns cuidado excessivo, e para nós uma vigilância que devemos fazer, tem expulsado, nos últimos tempos, o homem desta Cidade para os Municípios vizinhos e circunvizinhos, onde hoje ele é cativo do transporte coletivo. Há necessidade de uma melhor distribuição da terra. Nenhuma cidade pode estagnar, pode parar, e o perigo da legislação que regula a matéria nós encontramos ali, no Bairro da Azenha, com aquelas casas pequeninas, todas elas de um piso só, baixinhas, em cima da pista de rolamento, uma casa de comércio em cada porta. E se olharmos àquelas que ainda mantêm a inscrição da data de fundação, vemos que, para exagerar, algumas são ainda do tempo do fundador desta Cidade.

Esta Cidade sempre teve problemas, sempre teve agressão e agitação; sempre houve violência nesta Cidade. E esta Casa foi uma das primeiras a sofrer a violência, ainda no Brasil Colônia, quando se encerravam as atividades da Câmara Municipal no Município de Viamão. O Governador de então, José Marcelino de Figueiredo, já fazia a primeira prisão de políticos nesta terra, pois, já naquela época, fechava os portões da Cidade impedindo os Vereadores, que ficaram presos e amanheceram sentados, de sair. Então, esta guerra sempre houve. Ela vem das cavernas, acompanhou o homem com o tacape na mão. E a nossa luta pela humanização da Cidade, pela não-violência, por aspectos mais humanos, não pode, em hipótese alguma, frear o progresso. Aí estão as grandes cidades do mundo que são verdadeiras provas disto. Vejam a luta terrível que fizemos nesta Cidade para a implantação do Trensurb. E, se ele, hoje, não tem capacidade total de transportar o número de passageiros para o qual foi planejado, serve a uma população muito grande de pessoas que antes eram cativas do transporte coletivo, naquela região, em direção da Zona Norte. Mesmo vendo o exemplo dos países mais adiantados do mundo, e eu cito, aqui na América do Sul, Buenos Aires, que teve o primeiro metrô na América Latina e que serve até hoje como exemplo... São Paulo, por exemplo, pagou caro por esta parada. Quem não se lembra do “slogan”: “São Paulo não pode parar”? E, logo após, tivemos outro “slogan”: “São Paulo tem que parar para pensar”. O seu metrô, como disse há pouco, foi estudado desde 1927 pela Light, para ser instalado no sufoco, quando São Paulo tinha 6 milhões de habitantes. Então, Porto Alegre necessita crescer, com auxílio desta Casa, da comunidade, das autoridades estaduais e federais. Assim é que poderemos chegar, não a uma cidade perfeita, não à utopia de Thomas Morus. Não existe no mundo esta cidade perfeita; nós vamos lutar sempre, nas primeiras filas, contra os problemas que irão se apresentar a cada dia, a cada momento, a cada instante numa cidade que cresce, e ela nunca terá crescido o suficiente para parar. Vai crescer sempre, vai atingir dimensões das grandes megalópoles que temos hoje no mundo todo, e continuará ainda crescendo, apesar de nós, das nossas idéias e das nossas legislações. Por isto, acho que a nossa Cidade, os nossos moradores, nós mesmos, que representamos o povo nesta Casa, e todas as autoridades, todos que aqui moram estão de parabéns nestes 215 anos de Porto Alegre, se não pelo seu aniversário, com tantos problemas que já eliminamos e aqui estamos procurando eliminar, porque constitui fenômeno social. E nós todos estamos aí para isto. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Registro, ainda, a presença, em Plenário, do Bispo José Pinheiro, Cidadão de Porto Alegre; do Sr. Alécio Brum, Cidadão desta Cidade, e do Ver. Rosa, representando, neste ato, o Presidente da Câmara Municipal de Canoas.

A seguir, com a palavra o ator Luiz Carlos Magalhães, que irá proceder a um recital em homenagem à Semana de Porto Alegre.

 

O SR. LUIZ CARLOS MAGALHÃES: Em verdade, e de verdade, eu estou muito feliz por estar aqui hoje, por ter sido lembrado para participar dos festejos de encerramento da Semana de Porto Alegre, em seus 215 anos, porque, parodiando Mário Quintana, também faço parte da paisagem. Aqui vivo há 30 anos, dividindo o meu tempo entre os setores funcional e cultural, e gosto muito disto. E me sinto mais gratificado porque vou entregar a vocês a palavra, a sensibilidade, os versos de Mário Quintana, que é tão Porto Alegre nas calçadas, nos passeios, nos espelhos, nos bares, nas praças, nos lampiões e muito principalmente, nos grilos e nas estrelas. E um parêntese: obrigado ao meu amigo Antônio Hohlfeldt pela referência a minha pessoa.

“Gadeia... Pelichek... Sebastião.../ Lobo Alvim... Ah, meus velhos camaradas!/ Aonde foram vocês? Onde é que estão/ Aquelas nossas ideais noitadas?/ Fiquei sozinho... Mas não creio, não,/ Estejam nossas almas separadas!/ Às vezes sinto aqui, nestas calçadas/ O passo amigo de vocês... E então/ Não me constranjo de sentir-me alegre,/ De amar a vida assim, por mais que ela nos minta.../ E no meu romantismo vagabundo/ Eu sei que nestes céus de Porto Alegre/ É para nós que inda S. Pedro pinta/ Os mais belos crepúsculos do mundo!...”

(Palmas.)

“Escrevo diante da janela aberta./ Minha caneta é cor das venezianas:/ Verde!... E que leves, finas filigranas/ Desenha o sol na página deserta!/ Não sei que paisagista doidivanas/ Mistura os tons... acerta... desacerta.../ Sempre em busca de nova descoberta,/ Vai colorindo as horas quotidianas.../ Jogos da luz dançando na folhagem!/ Do que eu ia escrever até me esqueço.../ Pra que pensar? Também sou da paisagem.../ Vago, solúvel no ar, fico sonhando.../ E me transmuto...iriso-me... estremeço.../ Nos leves dedos que me vão pitando!”

(Palmas.)

“Dorme, ruazinha... É tudo escuro.../ E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?/ Dorme o teu sono sossegado e puro,/ Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos.../ Dorme.../ Não há ladrões, eu te asseguro.../ Nem guardas para acaso persegui-los.../ Na noite alta, como sobre um muro, estrelinhas cantam como grilos.../ O vento está dormindo na calçada,/ O vento enovelou-se como um cão.../ Dorme, ruazinha... Não há nada.../ Só os meus passos... Mas tão leves são/ Que até parecem, pela madrugada./ Os da minha futura assombração...

 Tão bom viver assim dia a dia.../ A vida assim, jamais cansa.../ Viver tão só de momentos/ Como essas nuvens do céu.../ E só e ganhar, toda a vida,/ Inexperiência... esperança.../ E a rosa louca dos ventos/ Presa à copa do chapéu./ Nunca dês um nome a um rio/ Sempre há um outro rio a passar./ Nada jamais continua./ Tudo vai recomeçar!/ E sem nenhuma lembrança/ Das outras vezes perdidas,/ Atiro a rosa do sonho/ Nas tuas mãos distraídas...”

(Palmas.)

“Que bom ficar assim, horas inteiras,/ Fumando...e olhando as lentas espirais.../ Enquanto, fora, cantam os beirais/ A baladilha ingênua das goteiras/ E vai a névoa, a bruxa silenciosa,/ Transformando a Cidade, mais e mais,/ Nessa Londres longínqua, misteriosa/ Das poéticas novelas policiais.../ Que bom, depois, sair por essas ruas,/ Onde os lampiões, com sua luz febrenta,/ São sóis enfermos a fingir de luas.../ Sair assim(tudo esquecer talvez!)/ E ir andando, pela névoa lenta,/ Com a displicência de um fantasma inglês...

A ciranda rodava no meio do mundo,/ No meio do mundo a ciranda rodava./ E quando a ciranda parava um segundo,/ Um grilo sozinho no mundo cantava.../ Dali a três quadras o mundo acabava,/ Dali a três quadras, num valo profundo.../ Bem junto com a rua o mundo acabava./ Rodava a ciranda no meio do mundo.../ E Nosso Senhor era ali que morava,/ Por trás das estrelas, cuidando o seu mundo.../ E quando a ciranda por fim terminava/ E o silêncio, em tudo, era mais profundo,/ Nosso Senhor esperava... esperava.../ Confiando as suas barbas de Pedro Segundo.

Eu nada entendo da questão social./ Eu faço parte dela, simplesmente.../ E sei apenas do meu próprio mal,/ Que não é bem o mal de toda a gente,/ Nem é deste Planeta... Por sinal/ Que o mundo se lhe mostra indiferente!/ E o meu Anjo da Guarda, ele somente,/ É quem lê os meus versos afinal.../ E enquanto o mundo em torno se esbarronda/ Vivo regendo estranhas contradanças/ No meu vago País de Trebizonda.../ Entre os Loucos, os Mortos e as Crianças,/ É lá que eu canto, numa eterna ronda,/ Nossos comuns desejos e esperanças!...

Minha rua está cheia de pregões./ Parece que estou vendo com os ouvidos:/ ‘Couves! Abacaxis! Cáquis! Melões!’/ Eu vou sair pro Carnaval dos ruídos,/ Mas vem, Anjo da Guarda... Por que pões/ Horrorizado as mãos em teus ouvidos?/ Anda: escutemos esses palavrões/ Que trocam dois gavroches atrevidos!/ Pra que viver assim num outro plano?/ Entremos no ruído cotidiano.../ O ritmo da rua nos convida./ Pra que viver assim num outro plano?/ Entremos no ruído cotidiano...

Olho o mapa da cidade/ Como quem examinasse/ A anatomia de um corpo.../( É nem que fosse o meu corpo!)/ Sinto uma dor infinita/ Das ruas de Porto Alegre/ Onde jamais passarei.../ Há tanta esquina esquisita,/ Tanta nuança de paredes,/ Há tanta moça bonita/ Nas ruas que não andei/ (E há uma rua encantada/ Que nem em sonhos sonhei...)/ Quando eu for, um dia desses,/ Poeira ou folha levada/ No vento da madrugada./ Serei um pouco do nada/ Invisível, delicioso/ Que faz com que o teu ar/ Pareça mais um olhar,/ Suave mistério amoroso,/ Cidade de meu andar/ (Deste já tão longo andar)/ E talvez de meu repouso...”. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Nesta Sessão Solene, cabe-me a honra de, na Semana de Porto Alegre, passar a palavra ao Sr. Prefeito de Porto Alegre, Dr. Alceu Collares.

 

O SR. ALCEU COLLARES: Sr. Presidente e Srs. Vereadores; eminentes líderes partidários, integrantes desta Mesa; Srs. Cônsules, Senhores e Senhoras, dignos representantes de classe que aqui se encontram formulando suas reivindicações, a nossa saudação muito respeitosa a todos e ao digno declamador, poeta e artista, que amenizou o dia de hoje, tão atarefado, mostrando que ainda é possível se aninhar na alma do homem a poesia. Por mais duros que sejam os corações, por mais cínicas que sejam as criaturas, por mais hipócritas que sejam as criaturas, ainda há lugar para a poesia na alma do homem e da mulher. Os defeitos nossos são tais e tantos que uma hora como essa é assim como um tesouro para amenizar os nossos sofrimentos e incompreensões. Passar pela vida, assim como estamos passando, os poetas as lideranças, os vereadores, os prefeitos, a imprensa, as lideranças de classe, numa hora como esta, em que vivenciamos, não apenas em Porto Alegre, no Rio Grande e no País, parece-me de significativa importância. Para nós, principalmente, em Porto Alegre, encerrando uma semana de homenagem a nossa Cidade, a Cidade que nós escolhemos para morar, para doar a nossa existência. Quantos de nós de longe estamos chegando! Ela nos agasalha, ela nos recebe de braços abertos, com o coração sempre sensível, com as suas ruas, com as suas casas, os seus ônibus, os seus problemas, as suas angústias, as suas riquezas, as suas misérias. A Cidade é isso mesmo. É o conjunto enorme, de uma construção que vem de longe. Do fundo da própria história, foram aqueles primeiros que aqui chegaram e nunca imaginaram que nós pudéssemos vivenciar uma tarde como esta. Não só aqui, também, mas lá, no Paço Municipal, uma festa diferente houve, e nós encerramos com a Lurdes Rodrigues e o Rubem Santos ao som de um violão, cantando e versos, e músicas belas de quem amou e por demais amou Porto Alegre, o nosso inesquecível Lupicínio Rodrigues.

Encerramos esta semana mostrando, num estande que colocamos na frente da Prefeitura, as obras, os serviços, os projetos, os programas e planos que foram possíveis realizar neste ano de Administração. Podem acreditar que fizemos muito e fizemos tudo por Porto Alegre, mas falta muito ainda a ser feito para que Porto Alegre possa ter melhores condições de vida. Eu sei que todos os oradores que passaram pela tribuna têm uma larga visão da estrutura da sociedade brasileira em que vivemos. Eu sei que todos, absolutamente todos, não imaginavam que, em me elegendo Prefeito da Cidade, eu tivesse uma vara e pudesse fazer mágica e resolver todos os problemas, deixar as suas ruas, quem sabe, com brilhantes, as suas praças, quem sabe, muito mais verdes do que são, retirar, num passe de mágica, toda a miséria das vilas, colocar uma rede de água, de luz, de esgoto, transportes, escola, saúde pública. Se eu pudesse fazer tudo, que beleza seria para todos, mas principalmente, para mim! Mas não é assim o mundo, não é assim o Brasil, não é assim a Cidade, e eu sei que todos entendem isso. E nós vamos dar as mãos, Câmara e Executivo. Já estamos nos harmonizando desde os primeiros dias. Queixa nenhuma nós teremos da Câmara, constituída por homens do mais alto senso de responsabilidade, de civismo, de patriotismo e, acima de tudo, de amor a esta Cidade. Todas as proposições que nós pedimos que nos fossem dadas para que pudéssemos iniciar uma fase diferente em nossa Capital nos foram dadas. Aí tem uma “Anistia”, “Recadastramento Geral de Contribuintes”, “Adote uma Praça”, “Humanização do Centro”, um conjunto muito grande de projetos bons que vão nos permitir, aos poucos, ir transformando a face da nossa querida Porto Alegre. Mas gostaria de dizer aos Senhores que muito ainda falta para fazer. Mas o certo é que o Município também se enquadra nessa situação estrutural em que vive o País. Outro dia já tive a oportunidade de conversar aqui na Câmara, se nós tivéssemos recursos para resolver tudo, muito bem, mas não é assim. Nós precisamos exercer o papel político forte, extremamente forte, para tentar sensibilizar a autoridade central, no sentido de que dê ao Município aquilo que do Município é. Nós geramos riqueza, nós geramos uma economia forte, nós geramos uma receita muito grande, e aqui fica muito pouco para atender às nossas necessidades. Que bom seria que o Município tivesse mais condições! E a primeira medida, evidentemente, seria a de aquinhoar melhor os servidores públicos do Município. Mas como fazer? Tirando de onde? Tudo que há no Município sai do bolso do povo de Porto Alegre! Nenhum tostão sai do bolso do Collares! Sai da contribuição sangrenta de cada contribuinte! Posso eu fazer generosidade com dinheiro que não é meu? Não posso fazer! Não vou fazer! Agora, o que for possível fazer para recuperar o poder de compra dos salários dos servidores do Município é compromisso nosso. E eu quero cumprimentá-los exatamente porque aqui vieram, democrática e pacificamente, fazer a sua manifestação nesta Câmara, o que demonstra que estamos vivenciando, não só os servidores, não só os Vereadores, mas o Prefeito e todos nós, uma hora de grande democracia. E isto é bom para todos. Em nem um momento nos recusamos a receber as lideranças no Palácio ou no Salão Nobre. Mas também em nenhum momento mentimos para ninguém, em nenhum momento quisemos comprometer o nosso orçamento como o Estado comprometeu, como muitos Municípios comprometeram, onde estão trabalhando exclusivamente para pagar a folha de pagamento. Não farei isto, enquanto Prefeito for, pois tenho um compromisso com a Cidade de Porto Alegre, com a comunidade de Porto Alegre, com o povo e, principalmente, com os pobres da periferia. Mais do que tudo tenho absoluta convicção de que as lideranças das categorias funcionais compreendem as nossas dificuldades, sabem que estamos agindo com absoluta sinceridade. Por isto, neste momento, queremos ressaltar esta festa da democracia, onde a liberdade de manifestação está aqui na frente, expressa por uma liderança que nós até gostaríamos que empolgasse, que emocionasse a alma do servidor público, para que ele pudesse, mais cedo ou mais tarde, todo ele em conjunto, quem sabe até utilizando o grande instrumento dos trabalhadores, que é a greve, paralisar o serviço público para abrigar a que melhores condições se pudesse dar. Quando as minorias têm competência e quando as suas idéias são boas, tenho absoluta convicção de que, abaixo da pregação, da doutrinação, as minorias se transformaram em maiorias. Agora, acontece que isto é uma verdade. As manifestações que estamos recebendo em toda a parte são de uma minoria, e por isto mesmo merecem o nosso louvor, o nosso aplauso, pela perseverança, pela persistência e pela convicção que tem. E eu sei que a democracia impõe respeito, inclusive, que não se coaduna com determinada manifestação que não sejam de estima à criatura humana. Eu sei que a democracia permite tudo ao menos o uivo. Não é próprio do ser humano. A gente pode ouvir em qualquer parte, menos numa assembléia com esta. Aqui, não. Aqui cada um fala, há um Regimento Interno. Os senhores podem entrar com caixão. Enterram a rosa vermelha, mas não se enterram as idéias, não se enterram as esperanças, os idealismos, as convicções. Tenho a absoluta convicção de que, ao final de nosso mandato, ficará uma marca indelével, mas com profunda sinceridade, não com discursos vazios que parecem os de comício, onde decoramos um monte de coisas. Não é por aí, não. Isso é uma coisa que já passou há muito tempo e, graças a Deus, não vi nada disto hoje aqui. Ouvi belíssimas manifestações: concretas, corretas, sensatas, com lógica e fundamento. Parabenizo-me com a minha Casa, com a minha escola pública. A Câmara foi a minha grande escola pública. Posso dizer porque fui Vereador duas vezes. Deputado Federal mais votado por muitas vezes. Se foi um engano, foi cometido pelo povo. E queria dizer: sou Prefeito aqui de Porto Alegre, eleito pelo voto popular, e por isto estou exercendo com a consciência muito grande a responsabilidade que o povo colocou nas minhas costas. Vou precisar muito da Câmara Municipal. E tenho absoluta convicção de que farei dela o que for necessário. E terei também o repúdio quando os meus projetos não se destinarem a aprimorar e melhorar as convicções de vida da nossa terra. Que bom, meu poeta! Também diria uma poesia, que termina com a quadrinha assim: “Cultivo uma rosa branca ao amigo sincero que estende a mão franca, e ao cruel inimigo que no coração arranca nem caldos nem urtiga eu cultivo. Cultivo uma rosa branca”. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Sr. Prefeito, Sr. Chefe da Casa Civil, representando, neste ato, o Sr. Governador do Estado do Rio Grande do Sul, demais autoridades aqui presentes e aqui representadas, Senhores, autoridades consulares. Teria a Câmara de Vereadores a ventura de encerrar a Semana de Porto Alegre. Queria, neste momento, dizer que este ato precedia por parte dos Vereadores uma longa reflexão. É claro que com a nossa vivência acre, difícil, vivendo diferentemente de alguns, vivendo em contato permanente com a nossa Cidade, com seus problemas e com as suas angústias, vemos desfilar neste Plenário, dia a dia, hora a hora, problemas e problemas. As angústias recaindo sobre nós que representamos a população de Porto Alegre. Sabemos, de outra forma, as migalhas que são representadas, que são apresentadas e deixadas pelos homens que convivem com as cortes, deixando àqueles que vivem seus Municípios, vivendo com seus municípios, dia a dia, as migalhas e as desgraças. Procurei tal qual procurou o poeta, amenizar, sem dúvida, fortemente a nossa vida, que não é, de forma alguma, saborosa, mas que tem e que traz, por se tratar de atividade pública, uma dureza e uma aspereza, momento maravilhosos, assim como o Coral Madrigal de Porto Alegre, através da regência do Maestro Gil da Roca Sales. (Palmas.)

Sabemos que se busca na História alguma coisa. Vive-se o presente, é verdade, na dimensão do próprio homem, mas a angústia do futuro nos leva a uma reflexão do passado. Por isso, ontem ainda percorria as idéias, os poemas e o desejo de um cidadão que um dia governou esta Cidade. Exatamente Octávio Rocha, que desejava remodelar esta Cidade, desejava colocar filtro nesta Cidade. Prefeito, viveu este homem os últimos anos seus, duros, duríssimos, para tentar remodelar esta Cidade, introduzindo idéias novas e rompendo barreiras preconceituosas e mais de dogmáticas do que correspondentes aos anseios populares. Morreu na qualidade de Intendente desta Cidade. Almejava ele uma cidade diferente. Seus sonhos não eram esses, quando chegássemos a comemorar 215 anos desta Cidade. Mas ele, como a Cidade e como nós, representa os homens, os homens que sonham e os homens que lutam para mudar, que lutam dia a dia e que vêem, muitas vezes, seus sonhos frustados e conseguem apenas, tão-somente, modificar um pouco a coloração, a vivência e a alma de uma Cidade. A Cidade está intrinsecamente ligada ao homem. Enquanto houver um cidadão de Porto Alegre sonhando, acreditem, teremos uma Porto Alegre diferente da dos dias de hoje. Mesmo nas festas, mesmo nos momentos solenes, somos tocados pelos problemas que afligem os homens que vivem na Cidade, diferentemente dos homens que vivem na corte, repito. No dia a dia, nesta vivência democrática e neste entrechoque natural, nós aspiramos e respiramos os problemas que afligem nossa Cidade. Por tudo isso, a Semana de Porto Alegre representa um chamamento a mais e um dever a mais que assumimos com a nossa Cidade. Não podemos nem mesmo abraçá-la. Não podemos nem mesmo ficar com palavras que nos encantam a alma. Somos obrigados a refletir uma realidade duríssima. E essa realidade duríssima, entremeada por momentos maravilhosos, é o nosso dia, mas, certamente, tenho a convicção, é a nossa Cidade, é o nosso mundo, mas, sobretudo, é o nosso País. A nós das cidades foi reservada, talvez, a tarefa mais difícil, porque todos os dias nos olhamos, olhos nos olhos, e trazemos, por isso, a lágrima e a dor muito mais do que as venturas, porque sabemos que aqueles que nos procuram são, realmente, os que trazem as lágrimas e as angústias. Somos muito mais afeitos aos sentimentos, à crueza, à dureza dos desamparados do que à apoteose dos abastados. Esta é uma casa, esta é uma cidade, e esta é a nossa alma. Assim somos. Podemos, muitas vezes, ser derrotados, mas, seguramente, poderemos continuar amando a nossa Cidade e olhando todos os dias um ao outro, a nossos olhos, vendo a nossa alma, em busca de um sorriso perdido da Cidade Sorriso e vendo a alma do poeta quase a nos embalar para que caminhemos em busca do nosso sonho, que muitas vezes parece perdido, mas que se renova nos nossos corações.

Repito: temos um compromisso com a Cidade que amamos e que um dia será mais alegre, talvez, do que nós, mas teremos a alegria de ter concorrido para a sua alegria.

A seguir, convido o Coral Madrigal de Porto Alegre, sob a regência do Maestro Gil de Roca Sales, a encerrar os trabalhos correspondentes ao dia de hoje, dessa Sessão Solene, agradecendo, do fundo da alma e do fundo do coração, em nome da Casa Legislativa de Porto Alegre, a comparência dos Senhores, que, sem dúvida, desde o Prefeito Municipal ao mais modesto servidor, deram mais um dia, mais uma quota de sacrifício pela sua Cidade e pela sua gente.

Encerro a Sessão, agradecendo a presença de todos. Muito obrigado.

Nada mais havendo a tratar, declaro encerrados os trabalhos da presente Sessão e convoco os Srs. Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental.

Estão levantados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 20h57min.)

 

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